Amigos, sabemos que o sinal está fechado prá nós, jovens. Os revezes são por demasiado conhecidos. Contra todas as expectativas, hoje quero falar, sobretudo, da beleza extravagante do nosso incompreendido curso de graduação.
Se a escolha pelo curso de Ciências Sociais não é nada óbvia, muito menos óbvia é a nossa permanência nele. Por isso, nessa formatura, há especialmente algo de muito honrado. Pais e amigos que acompanharam minimamente nossa trajetória têm condições de saber quantas crises esse curso é capaz de fornecer. E são muitas. São intensas.
Acredito que todos os formandos que estão aqui hoje se permitiram repensar minimamente suas vidas. Ciências Sociais tem uma característica dolorida. Nesse curso somos conduzidos a resolver as contradições que nossas auto-análises criam. Passamos a pensar no sentido das nossas ações. As formas de controle já nos passam a ser tão óbvias de modo que é quase possível sentir a estrutura doendo nos músculos, e o sangue pulsando pelo desejo de ação nas veias.
Essa auto-análise de que falei se dá quando nós repensamos e refletimos sobre nossa história, nossa família, nossos discursos, nossos valores, nossas práticas, nossa luta cotidiana. Nos posicionamos, nos classificamos. Como se já não bastasse a dificuldade de dar conta dessa inúmera quantidade de reflexões subjetivas, nos lançamos no desafio arriscado de passar a produzir conhecimento sobre a sociedade, de refletir, compreender ou explicar fenômenos sociais.
Pais, mestres, amigos, amores: Vocês têm algo de privilegiado por perto. Vocês terão, condensadas nas idiossincrasias pessoais de cada formando, conflitos inconciliáveis e por certo bem enfadonhos, meio insensatos, mas que terão uma beleza encharcada de humanidade.
Algo belo de quem – talvez – numa busca louca por coerência revele-se incoerente, ou numa sensibilidade treinada perceba problemas onde –evidentemente- não deveria haver. Sempre teremos mais perguntas do que respostas. Mais inquietações do que certezas.
Hoje, jovens pesquisadores e educadores em ciências sociais, colamos grau. Com a sociedade como objeto, sofreremos o risco de ao explicitar contradições e desconstruir preconceitos, escovarmos nós mesmos a contrapelo. Somos observadores e objeto. Essa situação de potencial desconforto será perseguida por alguns de nós. Outros se afastarão. Será possível afastar-se dessa condição tanto dentro como fora da cidadela acadêmica, no refúgio de abstrações e métodos ou no refúgio de melhores salários.
De qualquer forma, temos poucas escolhas cabíveis dentro dessa armadilha em que entramos. E que armadilha ler que “homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade”! Nós temos vontades, somos mulheres e homens plenos de pulsões. Nossos amigos, amores, mestres e familiares bem o sabem. Conhecem nossas impressões e delírios sobre um futuro incerto e até mesmo improvável. Nós sabemos, no entanto, porque enquanto cientistas sociais, que nem todos continuarão.
Sabemos que as escolhas serão privilégio de poucos, a despeito do grande esforço de muitos. Conhecemos a canção em que a roda-viva carrega a roseira. Já não somos como na chegada. Lutaremos enfim, na medida do possível, pelas essas belas abstrações da livre vontade, da autonomia, da liberdade. Ainda que sob o jugo da história dos vencidos, ambicionaremos abrir nossas histórias.
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